Relato Poético de uma experiência
Percebo-me torta. Tenho braço torto. Meu dedo mindinho é torto. Minha boca é torta. Meu olho esquerdo é menor que o direito. Tenho lordose. Minha perna é torta.
Meu útero é retrovertido. Até aí, nenhum problema grave, pois esse fato não interfere em nada na saúde, é só uma característica diferente do normal. Uma inversão do normal. Inverso. Verso. Inverso. Verso. Vide o verso. Vide. Ver.
Ano de 2016, Maio. Por pequenos e alguns poucos dias, tive a consciência que estava gerando em meu corpo, uma vida. Por alguns dias, tive a sensação mais poderosa da minha existência na terra. Porém, essa vida não durou muito tempo, não quis nascer nessa era. Os batimentos cardíacos nem chegaram a soar. Foi uma existência rápida que passou por mim.
Mas, essa existência, precisou ser convidada a se retirar, não quis sair naturalmente.
Ela era tão poderosa e, queria tanto nascer, que deixou no meu corpo células, e com capacidade de reprodução muito veloz, como uma linha de um novelo de aspecto infinito. Seria lindo se essa imagem não tivesse ligada a minha vida. Esse novelo infinito, se reproduzindo transformaria eu, numa não vida, por isso, era preciso pará-lo.
Uma ruptura era necessária.
Em tratamento contínuo e árduo, foram alguns meses de repouso, sangramentos constantes, cólicas intermináveis, fraqueza física e psicológica e um vazio maternal.
Procurei então, nesse momento, respostas dessa situação, não achei na minha cabeça. Fui para o externo, procurei outras formas de acreditar... Catolicismo. Espiritismo. Leitura de Aura. Psicologia. Freud. Yung. Thetahealing. Tarô. Leitura de Mão. Florais. Pêndulos. Yoga. Meditação. Música. Arte. Cachorro. Poesia. Família.
Ufa...
Há busca.
Uma luz teima em não apagar no meu coração, me puxa de uma sensação de areia
movediça.
Preciso do concreto, longe do estado de preocupação. Preciso do manual, do aqui agora, de algo que me trouxesse presença, um estado no presente. Recorro a minha ancestralidade. Mãe, quem me gerou a vida. Preciso do afeto. Preciso do feito. Preciso afetar-me. Recorri ao feito a mão. Recorri ao fazer e tecer. Artesanal. Bordado e crochê.
O bordado e crochê ajudaram na organização do meu pensamento. Quando estou com as linhas e agulhas e no processo de fazer e desmanchar, vou e volto, viro e desviro, pego o verso e o inverso, lembro-me sempre do meu útero. Útero, casa, abrigo, força.
Primeira imagem bordada, uma casa, abrigo, estou frágil. Preciso da prece.
Rezo. Rezo muito. Rezo e me fecho, feito ostra.
Segunda imagem, uma orquídea, minha feminilidade nesse momento frágil mas com a busca na beleza. Preciso ir em busca da beleza.
Terceira imagem, útero, preciso me conhecer por dentro. Vejo força e cura.
Vejo potência e luz. Me vejo.
Necessidade de Introversão. Voltar-se para mim. Me ver. Me sentir.
Ao mesmo tempo: Necessidade de produzir, expressar-me, solto tudo nos bordados e crochês.
Me sinto melhor. Busco a cura. Foco na cura. Organizo as tramas. Combino cores. Penso em símbolos. Faço. Concretizo. Escolho linhas. Vejo luz, cores e formas. Me sinto muito melhor.
Encaro o tratamento, sei que vai passar, como a linha que passa na minha mão e se transforma em outra coisa. Sou como a linha. Preciso de passagem e transformação. Encontro a cura, e me encontro:
- Oi útero, você é retrovertido. E tudo bem.
Leslye Revely
Dezembro, 2016.
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